“Encontro
pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas
centenas, amo apenas um.
O outro pelo qual estou apaixonado me designa e
especialidade do meu desejo.
Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único,
estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a
transferência amorosa; uma é universal, a outra é específica.
Foram precisos
muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras),
para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis o
grande enigma do qual nunca terei a solução:
por que desejo esse?
Por que o
desejo por tanto tempo, languidamente?
É ele inteiro que desejo (uma silhueta,
uma forma, uma aparência)? Ou apenas uma parte desse corpo? E, nesse caso, o
que, nesse corpo amado, tem a tendência de fetiche em mim? Que porção, talvez
incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho
quebrado obliquamente, uma mecha? De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que são
adoráveis.
Adorável quer dizer: este é o meu desejo, tanto que único:
“É isso!
Exatamente isso (que amo)!” No entanto, quanto mais experimento a especialidade
do meu desejo, menos posso nomeá-la; à precisão do alvo corresponde um
estremecimento do nome; o próprio do desejo não pode produzir um impróprio do
enunciado: deste fracasso da linguagem, só resta um vestígio: a palavra
“adorável” (a boa tradução de “adorável” seria ipse latino: é ele, ele mesmo em
pessoa)."
Roland Barthes
o discurso amoroso é de uma extrema solidão.
Mario Ulloa Interprete musical
Todo Sentimento, Chico Buarque
Nenhum comentário:
Postar um comentário