quarta-feira, 16 de maio de 2012

O discurso amoroso, ao soar de todo sentimento (play)



“Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um.
 O outro pelo qual estou apaixonado me designa e especialidade do meu desejo. 
Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a transferência amorosa; uma é universal, a outra é específica. 
   Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis o grande enigma do qual nunca terei a solução: 
por que desejo esse? 
Por que o desejo por tanto tempo, languidamente? 
É ele inteiro que desejo (uma silhueta, uma forma, uma aparência)? Ou apenas uma parte desse corpo? E, nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem a tendência de fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho quebrado obliquamente, uma mecha? De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que são adoráveis. 
Adorável quer dizer: este é o meu desejo, tanto que único: 
“É isso! Exatamente isso (que amo)!” No entanto, quanto mais experimento a especialidade do meu desejo, menos posso nomeá-la; à precisão do alvo corresponde um estremecimento do nome; o próprio do desejo não pode produzir um impróprio do enunciado: deste fracasso da linguagem, só resta um vestígio: a palavra “adorável” (a boa tradução de “adorável” seria ipse latino: é ele, ele mesmo em pessoa)."


 Roland Barthes
o discurso amoroso é de uma extrema solidão.

Mario Ulloa Interprete musical
Todo Sentimento, Chico Buarque

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